quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

 A Revolução Burguesa no Brasil - Ensaio de Interpretação Sociológica. Florestan Fernandes. 2006. Editora Globo.
Com maestria, Florestan interpreta o nosso passado com todo o instrumental que lhe é específico à sua disciplina. É o sociólogo Florestan que vai buscar compreender a especificidade da dinâmica sócio-política e econômica da sociedade brasileira. Traçarei alguns pontos que permeiam a obra, para que possamos ter,  de início, uma visão mais geral dela. Dado o tamanho do trabalho intelectual de Florestan, não colocarei todas as reflexões, até mesmo pelo espaço que aqui reservo, e também devido a complexidade que requer cada análise feita pelo autor.
Primeiro ponto: o modelo brasileiro de revolução burguesa, isto é, de implantação do capitalismo, não é uma repetição dos modelos clássicos europeu (Revolução Francesa) ou norte-americana (Guerra Civil Americana). Não houve no Brasil um rompimento drástico com o passado colonial e escravocrata. Pelo contrário, o velho se funde no novo, o arcaico e o moderno estão em simbiose constante.
Mas quando e como se dá o advento do surgimento do capitalismo no Brasil ? Bom, quatro pontos elencados por Florestan: O primeiro acontecimento é a nossa Independência (1808-1822). Criação de um Estado. Com isso, nossas elites senhoriais/escravocratas fundem o poder patriarcal junto ao poder de Estado, burocratizando-se na legalidade jurídico-política e na nova ordem que surgia. O rompimento do estatuto colonial, fez com que o comércio exterior dos produtos brasileiros, que era controlado de fora, passasse a ser controlado de dentro. Houve um excedente econômico interno, com a eliminação da intermediação da Coroa Portuguesa, que passou a ser investido internamente, diversificando a produção e estimulando o consumo. As cidades começaram a se desenvolver. Sem esquecer, que apesar de tudo, ainda éramos uma sociedade escravocrata, latifundiária, monocultora e exportadora. Nossa independência foi política, onde nesse periodo ocorreu a absorção, aos poucos, de novos agentes e modelos de ação econômica. Com o Estado, o poder deixará de ser uma imposição externa para organizar-se a partir de dentro. As elites nativas poderão atuar sem o controle da Coroa. O Estado integrou os interesses de todos os senhores agrários locais e regionais. 
Segundo acontecimento: o produtor brasileiro tornou-se um sócio menor da burguesia dos países capitalistas centrais. A redistribuição do excedente (exploração) agora foi posta sobre novas margens. Houve transferência, da Europa para o Brasil, de empresas especializadas em transações comerciais de exportação e importação e em operações bancárias. Surge novos agentes sociais e econômicos (altos comerciantes, vendedores, banqueiros). A elite agrária começa a investir na cidade, com a idéia de lucro. A partir de agora, a dominação se dá também dentro do país. Porém nossas elites sempre mantiveram o papel que coube a elas: ser uma sócia menor das elites dos países capitalistas centrais. Explorar e dividir o ganho obtido aqui , com as elites dos países centrais.
Terceiro acontecimento: dois agentes fundamentais para a consolidação da revolução burguesa no Brasil segundo Florestan: o fazendeiro de café, do oeste paulista, que passou a investir fora do contexto econômico da grande lavoura. O fazendeiro ligou-se com o especulador financeiro.
O capital se concentrava nas cidades em instituições financeiras e ameaçava a grande lavoura, ainda senhorial e tradicional. Os fazendeiros do oeste paulista perceberam o novo tempo: substituíram a mão-de-obra escrava, reduziram os custos, usaram novas técnicas. Surgiu outro tipo de fazenda: racional, tecnológica, assalariada, voltada para o aumento da produtividade e do lucro. 
A elite agrária, oligarquia: Sua fazenda não é mais o seu domínio, seu estado, sua moradia, é a sua empresa.
Outro agente é a figra do imigrante. Eles trouxeram especialização tecnológica, e padrões de vida mais racionais. Eles apareceram na história do Brasil quando a economia de mercado exigia a substituição do trabalho escravo pelo livre. Vieram para fazer a América. Ficarem ricos. O imigrante foi um agente dinâmico e múltiplo: ocupou todas as posições, de assalariados a agricultores, comerciantes, industriais. 
Alguns pontos do Brasil (São Paulo principalmente) a sociedade brasileira tenderá a romper com as relações de produção escravistas e a implantar relações de produção tipicamente capitalistas, ou seja, tenderá a se constituir como uma ordem social competitiva. Esse é o quarto acontecimento. Porém,  nas sociedades nacionais dependentes, o capitalismo foi introduzido antes da constituição da ordem social competitiva. O espírito do capitalista chegou primeiro à esfera comercial e só depois constituiu as relações de produção que lhe são correspondentes. A ordem escravista colonial brasileira resistiu quase um século à sua superação por uma ordem social capitalista. ( Até hoje resquícios desse passado colonial pode ser encontrado nos rincões desse Brasil). O arcaico presente no moderno! 
A oligarquia tradicional agrária estava aliada à elite dos negócios comerciais e financeiros. Foram elas que dominaram, compactuaram-se, tencionaram-se dentro da ordem, conciliaram-se e praticaram os interesses do Brasil.
O que caracteriza a nossa burguesia é o seu aparecimento débil, tardio, hesitante, limitado, dependente, conciliador. Os novos agentes econômicos que se fundiram com a nossas elites agrárias, queriam  apenas permanecer e assegurar seus privilégios, seus interesses. Não assaltaram o poder e mudaram a ordem social. Adptaram-se inovando, o que houve aqui foi uma modernização conservadora. A atração que a nossa burguesia sentiria pela oligarquia, prontificava uma unificação das classes possuidoras.
Nosso capitalismo constituiu-se de forma dependente, subdesenvolvido e imperializado. Nossa economia era joguete de acumulação para outra economia. 
Florestan aponta que o burguês já surge no Brasil, como uma entidade especializada, seja na figura do agente artesanal inserido na rede de mercantilização da produção interna, seja como negociante. O senhor de engenho, agrário, rural aburguesou-se com o passar do tempo. Pois ele não é, no começo de nossa colonização, um agente que pensa em investimento, lucro, ganho de excedente. Até porque a Coroa (fiscalização) pegava a maior parte do que era aqui produzido.Lucro, ganho, risco calculado? Isso veio depois com os novos agentes sociais e econômicos. 
Nossa burguesia foi tão mesquinha, egoísta, que em vez de fundar uma nação onde todos poderiam usufruir dela, ficaram presos a seus interesses particularistas. Inovaram aliando-se com a velha elite. Não estavam preocupadas em romper com o passado, mas com as possibilidades de ganhos, de status (riqueza), de privilegiamento de posição dentro da hierarquia social. Seu poderio econômico e inovador não conseguiu abranger o nação como um todo. Não queriam uma revolução social, no sentido amplo do termo, pois não queriam desfazer de seus interesses. Assim, quando o povo cobra sua indignação por séculos de exclusão, nossa burguesia mostra sua verdadeira face ultraconservadora: Ditadura. Repressão.
Nosso capitalismo: dependente, arcaiza-se modernizando-se, moderniza-se arcaizando, subdesenvolvido.
Autocracia: concentração exclusivista e privatista do poder. Esse é idéia de uma autocracia burguesa. Que não vê nas suas recorrentes crises (construção de um país mais justo e sem exclusão), um momento de reflexão para se ampliar a cidadania, a democracia. Mas sim, para manter seus privilégios, nem que seja a ferro e fogo.
As representações ideais da burguesia valiam para ela própria e definiam um modo de ser que se esgotava dentro de um circuito fechado. 
Segundo ponto: A dominação burguesa aparece como conexão histórica não da revolução nacional e democrática, mas do capitalismo dependente. O desenvolvimento capitalista sempre foi percebido e dinamizado pelos estamentos ou pelas classes dominantes, segundo comportamentos coletivos egoísticos e particularistas. O que estava em jogo? Responde Florestan: a defesa do status quo, da propriedade privada e da iniciativa privada.
O Estado serviu como eixo político de recomposição do poder econômico político e social da burguesia. A nossa burguesia nunca se rebelou contra as burguesias dos países hegemônicos, mas sim contra a massa do proletariado, contra a massa pobre e assalariada. Quanto mais se aprofunda a transformação capitalista, mais as nações capitalistas centrais necessitam de parceiros sólidos na periferia dependente e subdesenvolvida. 
A revolução burguesa na periferia, sobretudo, foi um fenômeno politico (recomposição das elites, do poder). O crescimento e as mudanças economicas não geraram um país democrático. A economia foi inovada para a elite. Para atender, em ultima instância, seus interesses. Há uma instauração de uma oligarquia coletiva das classes possuidoras, que só acreditam na "mudança" de cima para baixo. 
Capitalismo selvagem: um capitalismo que associa luxo, poder e riqueza, de um lado, à extrema miséria, opróbrio e opressão, do outro. 

3 comentários:

  1. Além do próprio livro,e de artigos da internet, utilizei para compor o texto, dois outros livros. São eles: As Identidades do Brasil 1 - De Varnhagem a FHC, de José Carlos Reis. E o outro foi Sete Lições Sobre as Interpretações do Brasil, de Bernardo Ricupero.

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  2. Em minha vida até agora, atravessei quase todas as classes sociais do Brasil. Infância e juventude nas classe oprimida, sofredora e despossuída, estudante durante as ditaduras militares, tecnocrata (engenheiro exercendo a função de programador e analista de sistemas na tecnoburocracia), expatriado no Japão e Estados Unidos, e agora repatriado, despossuído materialmente, mas aprendiz de sábio. Agora estou em condições de entender o que ocorre, e fazer alguma coisa pela sociedade brasileira.

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  3. è isso aí Mario! mais do que ninguem, vc então sabe a importancia da superação, do entendimento que se faz necessário desse Brasil do capitalismo selvagem!

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