terça-feira, 21 de junho de 2011


Caso ela (A Veja) existisse na época da escravidão.
Retirado do site: http://glaucocortez.com/2011/05/13/sensacional-capa-da-revista-veja-em-1888-as-vesperas-da-abolicao-da-escravatura/

domingo, 12 de junho de 2011



O Poder do Atraso - Ensaios de Sociologia da história Lenta. José de Souza Martins. Editora Hucitec - 1994. 
Nas aparências do moderno, a persistência do passado na realidade brasileira resiste, conservadoramente, nos destinos que decidem nossas decisões políticas e econômicas, fazendo desse país, um país de história lenta, uma história de espera. História inacabada, o inacabado e o inacabável vão se revelando nas determinações estruturais que demarcam o nosso trajeto, nosso nunca chegar ao ponto transitório de chegada. 
A luta pela terra no Brasil - seria uma história inacabada?
A luta por justiça por quem sofreu e sofre as consequências da Ditadura no Brasil - 1964 - seria uma história inacabada?
Uma história que não chega ao fim de períodos definidos, de transformações concluídas. É uma história sempre por fazer. É impossível entender o Brasil sem levar em conta a contradição que nos persegue: a combinação de moderno e tradicional que freia o nosso desenvolvimento social e político e que se renova a cada momento. Somos uma sociedade de história lenta.
Relata Martins: " A cidadania  não é o milagre do discurso fácil. Onde é real e tem sentido, não foi produzida pela cansativa repetição da palavra que a designa. A cidadania foi produzida por conflitos radicais, que afetaram a sociedad na raiz; além disso, muito mais profundos e significativos que os conflitos de classe. Na verdade, estamos muito longe de uma sociedade de cidadãos".
O núcleo da análise no livro é a questão da nossa estrutura fundiária. No problema fundiário está o núcleo das dificuldades para que o país se moderniza e se democratize. A propriedade latifundista da terra se propõe como sólida base de uma orientação social e política que freia, firmemente, as possibilidades de transformação social profunda e de democratização do país.
A questão agrária engole a todos e a tudo, quem sabe e quem não sabe, quem vê e quem não vê, quem quer e quem não quer.
No Brasil, o atraso é um instrumento de poder. A sociedade civil é um esboço num sistema político em que, de muitos modos, ela é dominada pelo Estado, e foi transformada em instrumento do Estado. Estando este baseado em relações políticas extremamente atrasadas, pautado pelo clientelismo e pela dominação tradicional de base patrimonial, do oligarquismo. No Brasil, todas as grandes pressões sociais de fortes possibilidades transformadoras, se diluíram facilmente em projetos e soluções exatamente opostos aos objetivos das lutas sociais.
É possível  distiguir no contemporâneo a presença viva e ativa de estruturas fundamentais do passado. Trabalho escravo presente no campo! Pelo o que se sabe, no capitalismo as relações de trabalho se dão por um contrato jurídico entre iguais! Veja bem, eu disse entre iguais!!! Pergunto: Como essas relações escravistas contemporâneas não atrapalham o andamento da acumulação capitalista ? Lembre-se, o arcaico e o moderno se recombinando.
São estruturas, instituições, concepções e valores enraizados em relações sociais do nosso passado. Mais do que obstáculos ao nosso desenvolvimento, são relações estruturantes da nossa sociedade, uma sociedade de história lenta. Reorientando o sentido das ações, reduzindo o âmbito da tomada de consciência.
A aceleração conservadora da mudança deram o tom do nosso nosso famigerado progresso.
Martins fala do clientelismo político brasileiro.  A política do favor, base e fundamento do Estado brasileiro, não permite nem comporta a distinção entre público e privado. Ele dá o exemplo da corrupção no governo de Fernando Collor de Mello. Questiona-se: corrupção ou ação estruturante das nossas relações clientelísticas que vem de tempos atrás ?  A dominação política patrimonial, no Brasil, desde a proclamação da república, pelo menos, depende de um revestimento moderno que lhe dá uma fachada burocrático-racional-legal. Isto é, a dominação patrimonial não se constitui, na tradição brasileira, em forma antagônica de poder político em relação à dominação racional-legal. Ao contrário, nutre-se dela e a contamina. A tradição do mando pessoal e da política do favor depende do seu acobertamento nas aparências do moderno e do contratual. O poder pessoal e oligárquico são ainda suportes de legitimidade política.
O público e o privado na tradição oligárquica. O único tipo de distinção que foi feita é aquela relativa ao patrimônio público e ao patrimônio privado. Portanto, uma distinção relativa ao direito de propriedade e não relativa aos direitos da pessoas, do cidadão.
Em relação às terras, centro e base do poder até os dias de hoje, e muito mais ainda no periodo colonial, o rei mantinha sempre a propriedade eminente dos terrenos concedidos em sesmaria. Os representantes do rei concediam as terras em nome dos interesses do rei e não em nome dasnecessidades do povo. A concessão territorial era o benefício da vassalagem, do ato de servir (na guerra ao índio, na conquista de território). Não era um direito, mas uma retribuição. Portanto, as relações entre o vassalo e o rei ocorriam em troca de favor. A lealdade política recebia como compensação retribuições materiais, mas também honrarias, como títulos e privilégios, que, no fim, resultavam em poder político e, consequentemente, em poder econômico. Nesse esquema de trocas de favor e serviços, os súditos não estavam excluídos da gestão da coisa pública, seu poder político se traduzia nas câmeras municipais. Isso acarretava confronto de interesses, muitas vezes, entre a coroa e o município. Porém, na constituição das vilas, o rei reconhecia o poder das câmaras municipais. As vilas, os municípios eram constituídos pela casta dos bons, isto é, os homens sem mácula de sangue e, também, sem mácula de ofício mecânico. A elas delegava o rei parte de sua autoridade e nelas os homens bons administravam.
O público e o privado eram concepções submetidas ao arbítrio daqueles que personificavam o público e daqueles que personificavam o privado. Na época, contraditoriamente, era público tudo aquilo que não era do rei, isto é, do Estado. O público era quase que inteiramente  personificado pelo privado. As vilas e municípios estavam sob administração dos agentes do privado, dos súditos, homens sem mácula. Nos tempos da colônia, a unidade familiar era, além de unidade fiscal, unidade política de primeira instância, assim, a unidade política da colônia era uma unidade já ela toda patrimonial, que dava o tom patriarcal, de autoridade e sacralidade no exercício da função pública. Essas mesmas unidades fiscais, através do cabeça-da-família eram convocadas pelas câmaras e, portanto, pelos próprios chefes de família, (súditos, homens sem mácula) para realização dos chamados serviços do bem comum.  Figura do patriarca, chefe de família, dono de seu potentado, senhor de terras, de escravos. Eram eles que admistravam o bem público, ou seja aquilo que o rei lhes concediam.
O rei se valia do patrimônio dos súditos para lograr os fins da coroa. Eram os particulares que faziam  as expedições de guerra ao índio, que construíam as pontes e caminhos, que organizavam e administravam as vilas. Sempre à custa de seu patrimônio, como tributo político devido à Coroa. Serviços esses cobertos pelos recursos pessoais de quem era convocado para fazê-los. Os súditos também usufruíam do patrimônio do rei (terras devolutas, árvores, frutos). Tudo disponível para uso mediante pagamento de tributo.
Não só os pobres, mas todos os que, de algum modo, dependem do Estado, são induzidos a uma relação de troca de favores com os políticos. É uma relação de troca de favores políticos por benefícios econômicos, não importa em que escala.
A Coroa portuguesa, por pobreza ou avareza, recorria ao patrimônio dos particulares para a realização dos serviços públicos, pagando, em troca, com o poder local e honrarias. 
Na história do Brasil, o novo surge sempre como um desdobramento do velho. As transformações sociais e políticas são lentas, não se baseiam em acentuadas e súbitas rupturas sociais, culturais, econômicas e institucionais.
Foi o próprio rei de Portugal, em nome da nobreza, que suspendeu o medieval regime de sesmarias na distribuição de terras; foi o príncipe herdeiro da Coroa portuguesa que proclamou a Independência do Brasil; foram os senhores de escravos que aboliram a escravidão; foram os fazendeiros que em grande parte se tornaram comerciantes e industriais ou forneceram os capitais para esse desdobramento histórico da riqueza do país.
Temos inculcada na cabeça a idéia do político protetor e provedor. A associação entre patrimônio e poder, o que caracteriza a apropriação do público pelo privado, continua sendo uma tônica na nossa relações políticas. Praticamente tudo passa pela proteção e pelo favoreciemento dos desvalidos. Martins dá o exemplo do Sílvio Santos, quando esse pensou em se candidatar a presidência da república, com grandes possibilidades de ser eleito.
Martins relata também que há artifícios para o uso de bens públicos como se fossem privados. Desde vereadores até os deputados federais podem consignar no orçamento da respectiva unidade política, seja o município, seja o estado, seja a União, amplas verbas para serem distribuídas às chamadas de fundações assistenciais. Muitas dessas verbas vão para os cofres de fundações criadas pelos próprios políticos.
É o tradicional e o moderno mesclados entre si, um como mediação do outro.
O não desenvolvimento no crescimento. É a modalidade de crescimento econômico o que, na verdade, bloqueia o desenvolvimento social e político da sociedade brasileira. Martins cita Octávio Ianni, no qual esse propunha que ao invés da concepção quantitativa e linear de crescimento(econômico), sugeria a concepção dialética de desenvolvimento(histórico) que levasse ao exame das contradições estruturais (e, portanto, políticas e de classe) que erguiam obstáculos às transformações brasileiras. Então cabe a pergunta: Crescimento: quantitativo e linear ou concepção dialética das contradições?
As grandes mudanças sociais e econômicas do Brasil contemporâneo não estão relacionadas com o surgimento de novos atores sociais e políticos. As mesmas elites responsáveis pelo atraso em que se situam numa situação histórica anterior, protagonizaram as transformaões sociais.
Do meio do livro em diante, Martins começa a falar dos problemas rurais como parte de todo esse processo histórico dominado pelas elites oligárquicas do país. Quem seriam os novos sujeitos das transformações sociais? A quem caberia fomentar esse papel? Como a Igreja, em sua tradição conservadora, vai atuar na luta por igualdade e justiça no campo? Martins fala do surgimento das Ligas Camponesas, da luta travada em Góias (Luta em Trombas, posseiros x grileiros). Guerra do Contestado. Revolta Camponesa de 1957 (Sudoeste do Paraná). O campo começa a fervilhar de revoltas e protestos. Temiam as elites que isso poderia desembocar numa transformação social radical. O Partido Comunista marcava presença nas lutas camponesas, organização no campo de pessoas para compor a luta em prol do socialismo.  O que a Igreja  também temia, devido a sua concepção do comunismo.
A intervenção militar na questão agrária: a aliança entre capital e terra.  No Brasil sempre tivemos uma cíclica alternância de poder entre oligarquias e militares. Martins, no livro, relata qual era a relação de Vargas com as oligarquias, como por exemplo, a não aprovação da CLT de 1942, no campo. Fala também, que no governo JK, o clientelismo estava presente, como exemplo, a SUDENE e a DNOCS. A Lei de terras de 1850, a Constituição de 1946 (que previa uma indenização prévia em dinheiro ao proprietário), o Estatuto da Terra em 1965, nada fizeram se não confirmar a regra em relação à Reforma Agrária:  A questão não é a de aprovar leis avançadas, mas assegurar que elas não serão executadas, ou não serão executadas contra os interesses do que as aprovaram.
SUDAM: incentivos fiscais aos empresários. Aliança entre Capital e Terra. Injeçao de dinheiro no sistema de propriedade. A aquisição de terras pelos grandes capitalistas do Sudeste animou o mercado imobiliário, convertendo, por isso mesmo, os proprietários de terras em proprietários de dinheiro e foçando-os, por sua vez, a agirem como capitalistas. No modelo brasileiro o empecilho à reprodução capitalistas do capital na agricultura não foi removido por uma reforma agrária, mas pelos incentivos fiscais.
Ao contrário do que ocorria com o modelo clássico da relação entre terra e capital, em que a terra( e a renda territorial, isto é, o preço da terra) é reconhecida como entrave à circulação e reprodução do capital. Na Itália, por exemplo, o imposto sobre os grandes latifundios foi aumentado, o que fez com que os grandes proprietários vendessem suas terras a pequenos produtores, que recebiam empréstimos a baixos juros do governo. Depois das revoluções burguesas, todos os países da Europa Ocidental, levaram ao extremo o processo de reforma agrária, implantando uma estrutura de pequenas e médias propriedades que perduram até nossos dias. A propriedade da terra é considerado um empecilho ao desenvolviemento do capitalismo no campo, já que ela cobra um tributo do capital. O proprietário da terra estará imobilizando de forma "improdutiva" uma parte de seu capital que poderia ser utilizado na reprodução ampliada do capital ( ver artigo de Roseimeire A. de Almeida - CPTL/UFMS - Aliança Terra-Capital em Mato Grosso do Sul).
No Brasil, pelo contrário, o predomínio dos latifúndios não representa, em momento algum, entrave para o capital. É sim, a possibilidade, por meio da aliança de classe entre capitalistas e proprietários de terra, de se gerar lucro e renda, superexplorando a mão-de-obra, nesse caso mão-de-obra escrava. 
São os setores modernos e de ponta, na econômia e na sociedade, que recriam ou, mesmo, criam relações sociais arcaicas ou atrasadas, como a peonagem, a escravidão por dívidas (Agronegócio). A modernização se dá no marco da tradição. Com isso tudo houve o favorecimento da violência paramilitar e privada dos grandes proprietários de terra. Formação de pistoleiros assassinos e da injustiça mantida pelas mesmas elites oligárquicas que comandam nossas relações políticas e econômicas.
Bom, para ir terminando, Martins fala da Relação da Igreja com a questão agrária.  A história da igreja na questão agrária no País é, pois, a história das contradições sociais que a têm mobilizado, particularmente nos últimos quarenta anos, em favor dos pobres da terra, os camponeses e os povos indígenas. Preocupações da Igreja: o êxodo rural e o despovoamento do campo, os efeitos desagregadores da vida na cidade, o perigo do comunismo e a agitação política no campo. Mas o medo da agitação política comunista da Igreja, não é a parte central, afirma Martins. Mas sim, pelo fato de se basear na premissa da superioridade social da vida comunitária rural. Há o temor, também, de que a igreja perdesse o rebanho para os comunistas, em consequência dos efeitos socialmente desagregadores da vida urbana. O início da preocupação da igreja com a questão agrária, década de 50, era conservadora. Ao longo dos anos mudou. Adesão da igreja no golpe de 1964., no Brasil: As tensões no campo, a desordem que aparentemente decorria da ação rural dos comunistas e dos militantes das Ligas camponesas, impondo aos católicos mais do que um confronto ideológico, aparecia aos olhos dos bispos como resultado da agitação das esquerdas e não do agravamento das contradições que penalizavam profundamente os camponeses e os trabalhadores rurais. Três meses depis do golpe, que haviam apoiado, os bispos lançavam um documento com críticas ao regime pela repressão contra os militantes católicos. Ainda assim, a igreja conseguirá conviver com os militares até 1968, quando o confronto se torna radical e assim continuará até o fim da ditadura, em 1984. Martins relata os problemas do campo na região da Amazônia, região de muitos conflitos, mortes, assassinatos, fraudes para posse de terras, entre outras coisas, tudo apoiado pelo governo. Conflitos envolvendo até mesmo empresas bem conhecidas, empresas com isenção fiscal. A Amazônia pôs a igreja diante da evidência de que o capital e o desenvolvimento capitalistas maciços, ao contrário do que se supunha, podiam criar problemas sociais de tal gravidade, que se equiparavam ou superavam os gravíssimos problemas da miséria rural do Nordeste. A experiência pastoral nas adversidades da amazônia foi fundamental para o avanço da Igreja Católica no seu compromisso com índios, camponeses, trabalhadores rurais, os pobres do campo.
Terminando: a aliança do capital com a propriedade da terra, no Brasil, engendrou um capitalismo tributário que opera de modo distinto do capitalismo típico e contratual dos países desenvolvidos. O capitalismo não se dissimina unicamente através do progresso material. Ele se difunde, também, necessariamente, criando e restaurando formas arcaicas de exploração do trabalho, expulsando, marginalizando, escravizando.
E para piorar a situação desse país, nos convencem que os fazendeiros é que são as vítimas de "invasões" (ocupações). Nos faz crer que o problema não é o latifundista, mas sim os que lutam por justiça.