quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Modernidade no Brasil - Conciliação ou Ruptura?
Antonio Houaiss e Roberto Amaral.
Editora Vozes.

Sociedade ágrafa. ( Uma ilha de letrados num mar de analfabetos!)


A tipografia - como havia sido também com os teares - só chega ao Brasil em 1808, com D. João VI, que aqui manda montar os prelos trazidos de Lisboa. Instalava-se a imprensa Régia para atender às necessidades do novo Estado: imprimir os papéis da corte e divulgar os atos e documentos oficiais de governo. 
A título de curiosidade, no século XIX, qual era a porcentagem de analfabetos?
Ao longo de todo o império, o índice não seria inferior a 80% !! Diante disso, pergunta-se: Qual é o Brasil que despertava para a maioridade política ? Fica evidente quem são os heróis da nossa história escrita, documentada, registrada, consagrada pela alta burocracia? 
Até fins do século XVIII o segmento letrado em qualquer parte do mundo não superava 2%. Quem dominava? Quem escrevia? Quem lia? Senhores de escravos, latifundiários, aristocracia rural, plutocracia cafeeira, pecuária mineira, cafeicultura fluminense, estancieiros do sul, burguesia industrial e financeira, militares, generais etc. A dominação e o jugo era por meio de documentação, registro, leis e códigos acessíveis e pertinentes a uma elite dominadora, espoliadora, depredadora e expropriadora.
Civilização cartorária desde as origens lusitanas ( de mentalidade burocrático-cartorário-autoritária), apegada ao papel e ao documento escrito, nascemos pelo batismo de uma carta e pelas mãos e bênçãos de um escrivão. E crescemos como país de bacharéis sem nenhuma aptidão para as coisas da terra, entre as quais se incluiria o trabalho. E aqui é bom lembrar Florestan Fernandes: " ...O principal foco de interesse da aristocracia brasileira, em face do ensino superior, se dirigia para a formação de uma elite capaz de exercer as funções públicas, de natureza política ou administrativa. (lembrando: 1822 - formação de um Estado Nacional). Com isso, o bacharel em direito passou a desfrutar de um prestígio excepcional - correspondido por oportunidades práticas em diferentes carreiras altamente reputadas - e as Faculdades de Direito se tornaram as principais agências de educação superior do país. Na verdade, o bacharel se transformou em agente e prolongamento do senhor rural no mundo urbano da corte ou das capitais das províncias. Quando não era seu filho ou neto, era seu dependente, conformando-se com a ordem moral associada à escravidão, ao latifúndio e à monocultura." ( A Sociologia no Brasil, p.19) Essa organização da sociedade brasileira está ligada aos interesses da camada senhorial, escravocrata!  
Herdamos uma história feita por poucos letrados em uma humanidade de analfabetos, párias, índios, mamelucos e escravos, muribocas ou cafuzos, mestiços de índios e negros, população alienada da riqueza e dos bens da cultura, em sociedade que só reconhecia o branco, o branco europeu e proprietário. Não é por acaso que as primeiras faculdades são de Direito! Aliás, até 1889, ano da proclamação da República, isto é, da implantação mecanicista do modelo norte-americano de República e Federação, possuíssemos tão só cinco escolas de ensino superior, sendo duas de Direito ( Olinda e São Paulo), duas de Medicina (Rio e bahia) e uma Politécnica (Rio). De costas para si mesma, essa elite - bacharéis, funcionários públicos, comerciantes, os 'correspondentes' dos grandes fazendeiros, padres, professores de latim, a pequena nobreza na corte colonial e, depois, no Império, vivia com os olhos fixos na praia, no além-mar. 
Exílio do povo e Estado autoritário. Estado forte dominado por minorias econômicas, juridicamente amparados por recursos inimagináveis pelos teóricos do liberalismo. Nossos hérois são os bachareis da Inconfidência recém-chegados de Coimbra e o Alferes, os Andradas, os Braganças, a Princesa e seu Conde, o Duque de Caxias, o Almirante Tamandaré, o Almirante Barroso, o Professor Benjamin Constant, os Marechais Deodoro e Floriano, o Embaixador Nabuco, o Barão do Rio Branco, o Conselheiro Rui Barbosa...