terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Cidadania no Brasil - Um longo Caminho. José Murilo de Carvalho.




Cidadania no Brasil - um longo caminho. Civilização Brasileira. 10ª edição, Rio de janeiro, 2008.

José Murilo de Carvalho é um historiador, pesquisador e professor. Publicou também " Os Bestializados" e "A formação das almas". 
Neste livro, o qual publico algumas ideias, Carvalho analisa a questão da cidadania no Brasil. Um caminho tortuoso, cheio de idas e vindas, com progressos e retrocessos, com uma luta ainda por se fazer no que diz respeito ao que significa ser cidadão. 
A cidadania no Brasil nunca foi um caminho fácil, mas sim repleto de complicações. É neste entoar que Carvalho nos dá suas contribuições para entendermos o que é essa ideia de cidadania neste país de história escravocrata, oligárquica, de concentração de riquezas, poder e prestígio. 

Na introdução do livro, Carvalho nos diz: " Tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais. O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos (...) Direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo legal regula." p. 9.

Segundo Carvalho: "É possível haver direitos civis sem direitos políticos. Estes se referem à participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é limitado a parcela da população e consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar, de ser votado. Em geral, quando se fala de direitos políticos, é do direito do voto que se está falando." p.9.

Carvalho alerta anteriormente que "O exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população." p.8.

Sentencia: "Se pode haver direitos civis sem direitos políticos, o contrário não é viável. Sem os direitos civis, sobretudo a liberdade de opinião e organização, os direitos políticos, sobretudo o voto, podem existir formalmente mas ficam esvaziados de conteúdo e servem antes para justificar governos do que para representar cidadãos." .8 e 9.

Os sociais seriam aqueles direitos ligados a ter uma educação de qualidade, direito ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria. Segundo Carvalho,"...eles (direitos sociais) podem existir sem os direitos civis e certamente sem os direitos políticos. Podem mesmo ser usados em substituição aos direitos políticos. Mas, na ausência de direitos civis e políticos, seu conteúdo e alcance tendem a ser arbitrários" p. 10.

Carvalho fala quem o autor que desenvolveu a distinção entre as várias dimensões da cidadania foi Thomas Humphrey Marshall.  
Analisou o desenvolvimento da cidadania como desenvolvimento dos direitos civis, seguido dos direitos políticos e dos direitos sociais, nos séculos XVIII, XIX e XX, respectivamente. A análise que Marshall fez está no plano histórico europeu (notadamente Inglaterra).

Carvalho: " O surgimento seqüêncial dos direitos sugere que a própria ideia de direitos, e, portanto, a própria cidadania, é um fenômeno histórico. O ponto de chegada, o ideal da cidadania plena, pode ser semelhante, pelo menos na tradição ocidental dentro da qual nos movemos. Mas os caminhos são distintos e nem sempre seguem linha reta. Pode haver também desvios e retrocessos, não previstos por Marshall. A França, a Alemanha, os Estados Unidos, cada país seguiu seu próprio caminho. O Brasil não é exceção. Aqui não se aplica o modelo inglês." p.11.

Carvalho enfatiza que entre nós o social precedeu os outros. 

Capitulo I Primeiros Passos (1822 - 1930).

Lembrando pessoal: são alguns trechos do livro, de um capítulo. Vez ou outra volto a publicar o mesmo livro. Como sempre deixo a dica: nada melhor do que ler a obra por completo! Vamos lá:

Logo no início, Carvalho nos deixa claro que "Do ponto de vista do progresso da cidadania, a única alteração importante que houve nesse período foi a abolição da escravidão, em 1888." p. 17.

O peso do passado (1500 - 1822).

"...os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham também deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. À época da independência, não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira." p. 18.
"O efeito imediato da conquista foi a dominação e o extermínio, pela guerra, pela escravização e pela doença, de milhões de indígenas." p.18.

Açúcar, senhores de engenho, escravização, tabaco, latifúndio monocultor e exportador constituíram a base da viabilidade econômica da empresa colonial até o século XVII, quando, a partir de então, entra no cenário a exploração do ouro (mineração). 
"Outra atividade econômica importante desde o início da colonização foi a criação de gado."p.19.
"A pecuária era menos concentrada do que o latifúndio, usava menos mão-de-obra escrava e tinha sobre a mineração a vantagem de fugir ao controle das autoridades coloniais. Mas, do lado negativo, gerava grande isolamento da população em relação ao mundo da administração e da política. O poder privado exercia o domínio inconteste." p .19.

Carvalho ressalta que o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão. "Os escravos começaram a ser importados na segunda metade do século XVI. A importação continuou ininterrupta até 1850, 28 anos após a independência." p.19.

A escravidão era um fator arraigado na sociedade brasileira. "Embora concentrados nas áreas de grande agricultura exportadora e de mineração, havia escravos em todas as atividades, inclusive urbanas. Nas cidades eles exerciam várias tarefas dentro das casas e na rua. Nas casas, as escravas faziam o serviço doméstico, amamentavam os filhos das sinhás, satisfaziam a concupiscência dos senhores. Os filhos dos escravos faziam pequenos trabalhos e serviam de montaria nos brinquedos dos sinhozinhos. Na rua, trabalhavam para os senhores ou eram por eles alugados. Em muitos casos, eram a única fonte de renda de viúvas. Trabalhavam de carregadores, vendedores, artesãos, barbeiros, prostitutas. Alguns eram alugados para mendigar. Toda pessoa com algum recurso possuía um ou mais escravos. O Estado, os funcionários públicos, as ordens religiosas, os padres, todos eram proprietários de escravos. Era tão grande a força da escravidão que os próprios libertos, uma vez livres, adquiriam escravos. A escravidão penetrava em todas as classes, em todos os lugares, em todos os desvãos da sociedade: a sociedade colonial era escravista de alto a baixo." p.19 e 20.

"Os escravos não eram cidadãos, não tinham os direitos civis básicos à integridade física (podiam ser espancados), à liberdade e, em casos extremos, à própria vida, já que a lei os considerava propriedade do senhor, equiparando-os a animais." p.21.
"Entre os escravos e senhores, existia uma população legalmente livre, mas a que faltavam quase todas as condições para o exercício dos direitos civis, sobretudo a educação. Ela dependia dos grandes proprietários para morar, trabalhar e defender-se contra o arbítrio do governo e de outros proprietários". p.21.

Agora há um relato sobre como os senhores de engenho, grandes proprietários e escravocratas eram praticamente a lei e o poder, potentados locais onde predominavam as relações privatistas, ou seja, de cunho pessoal.

"Não se pode dizer que os senhores fossem cidadãos. Eram, sem dúvida, livres, votavam e eram votados nas eleições municipais. Eram os 'homens bons' do período colonial. Faltava-lhes, no entanto, o próprio sentido de cidadania, a noção da igualdade de todos perante a lei. Eram simples potentados que absorviam parte das funções do Estado, sobretudo as funções judiciárias. Em suas mãos, a justiça, que, como vimos, é a principal garantia dos direitos civis, tornava-se simples instrumento do poder pessoal. O poder do governo terminava na porteira das grandes fazendas". p.21.

"O cidadão comum ou recorria à proteção dos grandes proprietários, ou ficava à mercê do arbítrio dos mais fortes. Mulheres e escravos estavam sob a jurisdição privada dos senhores, não tinham acesso à justiça para se defenderem. Aos escravos só restava o recurso da fuga e da formação de quilombos.
" Os impostos eram  também frequentemente arrecadados por meio de contratos com particulares (...) A consequência de tudo isso era que não existia de verdade um poder que pudesse ser chamado de público, isto é, que pudesse ser a garantia da igualdade de todos perante a lei, que pudesse ser a garantia dos direitos civis". p.22.

A justiça do rei tinha obstáculos, como por exemplo, a oposição dos próprios proprietários, o alcance limitado das decisões reais (cidades mais afastadas), muitas causas eram decididas em Lisboa, consumindo recursos e tempo.

"Chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um sentido de nacionalidade. No máximo, havia alguns centros urbanos dotados de uma população politicamente mais aguerrida e algum sentido de identidade regional." p.25.

OBS: Pessoal, aqui termino a primeira parte do livro do José Murilo de Carvalho, que trata do período colonial. Pretendo publicar outras partes do livro. Posso, entretanto, antes de voltar ao "Cidadania no Brasil", publicar outros títulos intercalados. Enfim, recomendo, como sempre, a leitura do mesmo. Peço desculpa pela demora em atualizar o site. Se vocês repararem há um período longo entre essa publicação e a última (O Povo Brasileiro). Não sei quando volto a publicar (mas volto), entre preocupações pessoais e o tempo que se leva para a leitura de um livro, talvez vocês entendam a dificuldade e o longo período sem atualização. Mas espero que continuem a prestigiar o site! Um grande abraço!