sábado, 5 de março de 2011

O Jeitinho Brasileiro - A arte de ser mais igual que os outros. 4ª edição. Lívia Barbosa. Editora Campus.
No prefácio, escrito por Roberto DaMatta, diz: O jeitinho se constitui num modo obrigatório de resolver aquelas situações nas quais uma pessoa se depara com um 'não pode' de uma lei ou autoridade e - passando por baixo da negativa sem contestar, agredir ou recusar a lei, obtém aquilo que desejava, ficando assim mais igual do que os outros.
Na democracia à brasileira é muito mais importante conhecer a pessoa implicada, do que a lei que governa uma dada situação.
Percebe-se que na sociedade brasileira há um grande descompasso existente entre a norma e a prática social. Nós temos uma certa maneira peculiar de lidar com a idéia de igualdade. Há que se reparar que cultivamos práticas sociais, econômicas e políticas conflitantes, em muitos aspectos, com nossas representações igualitárias. Descendemos de uma sociedade altamente hierarquizada como era a portuguesa do século XVI, onde tudo estava previsto e codificado nas leis, até mesmo os diferentes modos de tratamento entre as pessoas. Porém ressalva a autora: não havia descompasso entre as normas (jurídico) e a prática social, pois os códigos manuelinos, filipinos e afonsinos consubstanciavam a desigualdade. Diferentes penalidades conforme o status do infrator. E quando os movimentos políticos e sociais do século XIX nos levaram de encontro aos novos valores da modernidade (igualdade, indivíduo/cidadão de direitos), não trocamos nossos valores antigos pelos novos, apenas superpusemos às nossas velhas calças um paletó novo e, assim, criamos um sistema social onde os códigos, modernos e tradicionais, se entrecortam, permitindo uma multiplicidade de opções igualmente válidas a todos que aqui vivem.
A autora para fazer uma análise mais aprofundada do jeitinho no Brasil, utiliza-se de duas categorias sócio-antropológicas que, segundo ela, estão intimamente ligadas ao trabalho do antropólogo Louis Dumont. Uma delas é o indivíduo (cidadão) como valor, como representação central da sociedade ocidental. Seu universo é constituído por leis e decretos universalizantes e impessoais que buscam a igualdade através de sua aplicação e operação prática. Caracteriza-se pela percepção de si mesmo e dos demais como universos insólitos. As "potencialidades" de cada um são apreendidas como as reservas que devem ser desenvolvidas e exploradas com criatividade pela sociedade, que deve coibi-las ao mínimo.  São espaços de domínios autônomos, onde não se permite a interferência de um no outro. Cada um tem o seus próprios méritos e conquistas. É a idéia do self-reliance (auto-suficiência) É o princípio de que cada indivíduo é o seu próprio mestre, em controle absoluto de seu próprio destino e, portanto, absolutamente livre. Os avanços e os recuos na vida de cada pessoa estão condicionados aos seus próprios méritos. Esse comportamento, já que a autora trabalha em comparação, é tipico dos EUA. A igualdade norte-americana é dada pela lei e a ela circunscrita. Como um princípio ordenador, pelo qual grupos e pessoas diferentes se organizam para atuar, em conjunto, na sociedade. A igualdade não é objetivo central do sistema norte-americano. Lá, o lema é : Igualamos para diferenciar. cada um é dono do próprio caminho, liberdade para tal lhe foi concedida. ( Lá a idéia do Loser e do Winner é muito representativo disso) É o indivíduo como valor central. 
O personagem simétrico oposto ao indivíduo, típico das sociedades tradicionais, hierárquicas e holistas (Segunda categoria de Dumont), é a pessoa. O indivíduo não é maior que o todo. Não é fragmentado. O contato com a totalidade se estabelece através da mediação de clãs, linhagens, famílias, parentelas, etc. Ao contrário do que ocorre nas sociedades modernas individualistas, o espaço interior de cada um de seus membros não é tomado como basilar para a organização do todo. Porém, no Brasil, e isso a autora foca também o estudo de DaMatta com base em Dumont, a hierarquia e o individualismo seriam complementares. Ao contrário dos Estados Unidos, onde a sociedade é englobada por uma única ética - a individualista, no Brasil conviveríamos com duas, apresentando um universo social complexo e tenso. O que DaMatta chama de dilema brasileiro, seria essa tensão permanente entre as categorias indivíduo e pessoa. No Brasil, a igualdade se apresenta sob outras formas.  Além de se definir em relação ao sistema social em alguns domínios, define-se também, e talvez de forma preponderante, em um sistema moral emcompassador, que percebe o indivíduo não só como o sujeito normativo das instituições, mas, também como sujeito das situações. Ex: brasileiro vê uma fila, e não concebe aquilo como algo legal de cumprimento de regras, mas logo enfoca uma necessidade humana, moral e pessoal para tentar conseguir ser atendido primeiro. E quem é que vai negar humanidade, simpatia e cordialidade, no Brasil? O indivíduo sujeito normativo das instituições cede lugar ao indivíduo sujeito normativo das situações. E aí se estabelece a diferença entre igualdade moral e igualdade legal.  Entre patrão e empregado não há apenas uma obrigação legal e jurídica. Mais do que isso, pode-se estabelecer deveres morais na relação empregado e empregador. Ex: eu te contratei,  sem mim você ficaria desempregado, você me deve esse favor a mais! Você tem que cumprir com as  suas obrigações mais do que está instituído apenas por uma relação jurídica. O íntimo, o relacional, o pessoal abarcando o domínio do impessoal. E o que é o favor? Parece que o devedor, nesses termos, fica com uma obrigação moral em relação ao credor. E aí a idéia de jeito pode entrar. Se bem que a autora faz uma distinção entre o que seja jeito e favor, e também uma distinção entre o que seja jeito e corrupção.Embora a linha que divide esses termos seja muito complexa de ser definida exatamente.
Interessante: O que é invocado, muitas vezes, para ultrapassar a regra universalizante e igualitária são justamente argumentos que enfatizam a igualdade : " Meu irmão", " companheiro", dá um jeito aí! Não é uma igualdade dada pela lei, mas pela condição humana das pessoas. O direito de todos à igualdade é, permanentemante, relativizado pela igualdade de fato entre todos. A igualdade de direitos é colocada num plano hierarquicamente inferior à igualdade moral.
Parece que queremos dar um tratamento personalizado a todos os cidadãos brasileiros e nos manter, ao mesmo tempo, sob o império de leis universalizantes.
O jeitinho: um drama social brasileiro. Usamo-lo tanto como símbolo de nossa desordem institucional, incompetência, ineficiência e de pouca presença do cidadão no nosso universo social, louvando, assim, o nosso "atual, moderno e universal" compromisso com a ideologia individualista, ou como emblema de nossa cordialidade, espírito matreito, conciliador, criativo.
Entendi que o jeitinho exprimia, aliás de forma paradigmática, extamente uma relação central para a sociedade brasileira: a de uma visão hierárquica com outra igualitária, a aprtir de uma elaboração acentuada e paradoxal da noção de igualdade.O ritual do jeitinho procurava resguardar elementos de ambas, ao reproduzir atributos pertencentes a essas duas vertentes. Como mecanismo de transformar indivíduos em pessoas, ao tentar fugir da submissão à universalidade da lei, o jeitinho é holista e hierárquico. Mas, como forma de navegação social que se baseava na igualdade substantiva de todos, em flagrante desconsideração aos atributos da identidade social (status, poder - cada um pode dar jeito, rico ou pobre), é individualista e moderno. 
Em que domínios conseguimos realizar mais plenamente nossos ideais igualitários? Em que domínios mantemos ainda nossos ideais holistas e hierárquicos?
O jetinho pode ser também um mecanismo de transformar indivíduos em pessoas. 
Bom,  autora faz uma análise aos discurso eruditos e popular sobre o jeitinho. O primeiro negativo, o segundo positivo, se bem que há também o discurso popular negativo. faz crítica aos dois. Interessante a crítica que ela faz no começo do livro ao analisar algumas visões de alguns autores que já trataram do tema. Um deles é Guerreiro Ramos. Esse autor acreditava que isso era um resquício da nossa sociedade arcaica, pré-industrial. E que a modernidade e a industrialização (dois fenômenos) dariam conta de apagar esse "atraso" da vida social brasileira. Pois bem, não percebe como algo estruturante e (re)ssignificado das nossas relações do cotidiano.
Enfim, a autora fala dos idiomas do jeitinho ( e aí entra a questão de gênero - feminino e masculino). Fala do ritual de se pedir um jeito. fala até de uma técnica, que seria envolver emocionalmente no "seu problema" a pessoa de quem se depende naquele momento. Fala dos domínios do jeitinho, no qual ele consegue estabelecer., com os sentimentos, um espaço pessoal no domínio do impessoal. Não só nos domínios da burocracia, mas em qualquer lugar que fale na idéia de se dar um jeito. 
Só mais uma coisa: corrupção e favor. Quanto mais favorável for a postura das pessoas em relação ao jeito, mais ela achará distinto da corrupção. Quanto mais crítico e negativo, mais semelhante. 
Há vários pontos no livro, espero ter conseguido colocar alguns bem marcantes.



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