terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Cidadania no Brasil - Um longo Caminho. José Murilo de Carvalho.




Cidadania no Brasil - um longo caminho. Civilização Brasileira. 10ª edição, Rio de janeiro, 2008.

José Murilo de Carvalho é um historiador, pesquisador e professor. Publicou também " Os Bestializados" e "A formação das almas". 
Neste livro, o qual publico algumas ideias, Carvalho analisa a questão da cidadania no Brasil. Um caminho tortuoso, cheio de idas e vindas, com progressos e retrocessos, com uma luta ainda por se fazer no que diz respeito ao que significa ser cidadão. 
A cidadania no Brasil nunca foi um caminho fácil, mas sim repleto de complicações. É neste entoar que Carvalho nos dá suas contribuições para entendermos o que é essa ideia de cidadania neste país de história escravocrata, oligárquica, de concentração de riquezas, poder e prestígio. 

Na introdução do livro, Carvalho nos diz: " Tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais. O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos (...) Direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo legal regula." p. 9.

Segundo Carvalho: "É possível haver direitos civis sem direitos políticos. Estes se referem à participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é limitado a parcela da população e consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar, de ser votado. Em geral, quando se fala de direitos políticos, é do direito do voto que se está falando." p.9.

Carvalho alerta anteriormente que "O exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população." p.8.

Sentencia: "Se pode haver direitos civis sem direitos políticos, o contrário não é viável. Sem os direitos civis, sobretudo a liberdade de opinião e organização, os direitos políticos, sobretudo o voto, podem existir formalmente mas ficam esvaziados de conteúdo e servem antes para justificar governos do que para representar cidadãos." .8 e 9.

Os sociais seriam aqueles direitos ligados a ter uma educação de qualidade, direito ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria. Segundo Carvalho,"...eles (direitos sociais) podem existir sem os direitos civis e certamente sem os direitos políticos. Podem mesmo ser usados em substituição aos direitos políticos. Mas, na ausência de direitos civis e políticos, seu conteúdo e alcance tendem a ser arbitrários" p. 10.

Carvalho fala quem o autor que desenvolveu a distinção entre as várias dimensões da cidadania foi Thomas Humphrey Marshall.  
Analisou o desenvolvimento da cidadania como desenvolvimento dos direitos civis, seguido dos direitos políticos e dos direitos sociais, nos séculos XVIII, XIX e XX, respectivamente. A análise que Marshall fez está no plano histórico europeu (notadamente Inglaterra).

Carvalho: " O surgimento seqüêncial dos direitos sugere que a própria ideia de direitos, e, portanto, a própria cidadania, é um fenômeno histórico. O ponto de chegada, o ideal da cidadania plena, pode ser semelhante, pelo menos na tradição ocidental dentro da qual nos movemos. Mas os caminhos são distintos e nem sempre seguem linha reta. Pode haver também desvios e retrocessos, não previstos por Marshall. A França, a Alemanha, os Estados Unidos, cada país seguiu seu próprio caminho. O Brasil não é exceção. Aqui não se aplica o modelo inglês." p.11.

Carvalho enfatiza que entre nós o social precedeu os outros. 

Capitulo I Primeiros Passos (1822 - 1930).

Lembrando pessoal: são alguns trechos do livro, de um capítulo. Vez ou outra volto a publicar o mesmo livro. Como sempre deixo a dica: nada melhor do que ler a obra por completo! Vamos lá:

Logo no início, Carvalho nos deixa claro que "Do ponto de vista do progresso da cidadania, a única alteração importante que houve nesse período foi a abolição da escravidão, em 1888." p. 17.

O peso do passado (1500 - 1822).

"...os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham também deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. À época da independência, não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira." p. 18.
"O efeito imediato da conquista foi a dominação e o extermínio, pela guerra, pela escravização e pela doença, de milhões de indígenas." p.18.

Açúcar, senhores de engenho, escravização, tabaco, latifúndio monocultor e exportador constituíram a base da viabilidade econômica da empresa colonial até o século XVII, quando, a partir de então, entra no cenário a exploração do ouro (mineração). 
"Outra atividade econômica importante desde o início da colonização foi a criação de gado."p.19.
"A pecuária era menos concentrada do que o latifúndio, usava menos mão-de-obra escrava e tinha sobre a mineração a vantagem de fugir ao controle das autoridades coloniais. Mas, do lado negativo, gerava grande isolamento da população em relação ao mundo da administração e da política. O poder privado exercia o domínio inconteste." p .19.

Carvalho ressalta que o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão. "Os escravos começaram a ser importados na segunda metade do século XVI. A importação continuou ininterrupta até 1850, 28 anos após a independência." p.19.

A escravidão era um fator arraigado na sociedade brasileira. "Embora concentrados nas áreas de grande agricultura exportadora e de mineração, havia escravos em todas as atividades, inclusive urbanas. Nas cidades eles exerciam várias tarefas dentro das casas e na rua. Nas casas, as escravas faziam o serviço doméstico, amamentavam os filhos das sinhás, satisfaziam a concupiscência dos senhores. Os filhos dos escravos faziam pequenos trabalhos e serviam de montaria nos brinquedos dos sinhozinhos. Na rua, trabalhavam para os senhores ou eram por eles alugados. Em muitos casos, eram a única fonte de renda de viúvas. Trabalhavam de carregadores, vendedores, artesãos, barbeiros, prostitutas. Alguns eram alugados para mendigar. Toda pessoa com algum recurso possuía um ou mais escravos. O Estado, os funcionários públicos, as ordens religiosas, os padres, todos eram proprietários de escravos. Era tão grande a força da escravidão que os próprios libertos, uma vez livres, adquiriam escravos. A escravidão penetrava em todas as classes, em todos os lugares, em todos os desvãos da sociedade: a sociedade colonial era escravista de alto a baixo." p.19 e 20.

"Os escravos não eram cidadãos, não tinham os direitos civis básicos à integridade física (podiam ser espancados), à liberdade e, em casos extremos, à própria vida, já que a lei os considerava propriedade do senhor, equiparando-os a animais." p.21.
"Entre os escravos e senhores, existia uma população legalmente livre, mas a que faltavam quase todas as condições para o exercício dos direitos civis, sobretudo a educação. Ela dependia dos grandes proprietários para morar, trabalhar e defender-se contra o arbítrio do governo e de outros proprietários". p.21.

Agora há um relato sobre como os senhores de engenho, grandes proprietários e escravocratas eram praticamente a lei e o poder, potentados locais onde predominavam as relações privatistas, ou seja, de cunho pessoal.

"Não se pode dizer que os senhores fossem cidadãos. Eram, sem dúvida, livres, votavam e eram votados nas eleições municipais. Eram os 'homens bons' do período colonial. Faltava-lhes, no entanto, o próprio sentido de cidadania, a noção da igualdade de todos perante a lei. Eram simples potentados que absorviam parte das funções do Estado, sobretudo as funções judiciárias. Em suas mãos, a justiça, que, como vimos, é a principal garantia dos direitos civis, tornava-se simples instrumento do poder pessoal. O poder do governo terminava na porteira das grandes fazendas". p.21.

"O cidadão comum ou recorria à proteção dos grandes proprietários, ou ficava à mercê do arbítrio dos mais fortes. Mulheres e escravos estavam sob a jurisdição privada dos senhores, não tinham acesso à justiça para se defenderem. Aos escravos só restava o recurso da fuga e da formação de quilombos.
" Os impostos eram  também frequentemente arrecadados por meio de contratos com particulares (...) A consequência de tudo isso era que não existia de verdade um poder que pudesse ser chamado de público, isto é, que pudesse ser a garantia da igualdade de todos perante a lei, que pudesse ser a garantia dos direitos civis". p.22.

A justiça do rei tinha obstáculos, como por exemplo, a oposição dos próprios proprietários, o alcance limitado das decisões reais (cidades mais afastadas), muitas causas eram decididas em Lisboa, consumindo recursos e tempo.

"Chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um sentido de nacionalidade. No máximo, havia alguns centros urbanos dotados de uma população politicamente mais aguerrida e algum sentido de identidade regional." p.25.

OBS: Pessoal, aqui termino a primeira parte do livro do José Murilo de Carvalho, que trata do período colonial. Pretendo publicar outras partes do livro. Posso, entretanto, antes de voltar ao "Cidadania no Brasil", publicar outros títulos intercalados. Enfim, recomendo, como sempre, a leitura do mesmo. Peço desculpa pela demora em atualizar o site. Se vocês repararem há um período longo entre essa publicação e a última (O Povo Brasileiro). Não sei quando volto a publicar (mas volto), entre preocupações pessoais e o tempo que se leva para a leitura de um livro, talvez vocês entendam a dificuldade e o longo período sem atualização. Mas espero que continuem a prestigiar o site! Um grande abraço!







sábado, 2 de novembro de 2013


O Povo Brasileiro 
A formação e o sentido do Brasil. 
Darcy Ribeiro (1922-1997).

Nessa grande obra de interpretação sobre o Brasil, Darcy Ribeiro nos presenteia com uma grande análise do que foi a nossa formação enquanto povo, sociedade e cultura. Nossa formação social, cultural, econômica e política. Acima de tudo, diríamos que se trata de uma interpretação histórico-antropológica.

Começarei não do começo do livro, mas sim da parte III. Lembro, caro leitores, que todos os livros aqui postados tratam de uma parte específica do livro, e que, dado um momento ou outro, sempre procuro voltar ao livro para postar mais capítulos, idéias e reflexões. 

III Processo Sociocultural. 

1 Aventura e Rotina.

As Guerras do Brasil.

Às vezes se diz que nossa característica essencial é a cordialidade, que faria de nós um povo por excelência gentil e pacífico. Será assim? A feia verdade é que conflitos de toda ordem dilaceram a história brasileira, étnicos, sociais, econômicos, religiosos, raciais etc. O mais assinalável é que nunca são conflitos puros. Cada um se pinta com as cores dos outros.
O importante, aqui, é  a predominância que marca e caracteriza cada conflito concreto. Assim, a luta dos Cabanos, contendo, embora, tensões inter-raciais (brancos versus caboclos), ou classistas (senhores versus serviçais), era, em essência, um conflito interétnico, porque ali uma etnia disputava a hegemonia, querendo dar sua imagem étnica à sociedade. O mesmo ocorre em Palmares, tida frequentemente como uma luta classista (escravos versus senhores) que se fez, no entanto, no enfrentamento racial, que por vezes se exibe como seu componente principal. Também os quilombolas queriam criar uma nova forma de vida social, oposta àquela de que eles fugiam. Não chegaram a amadurecer como uma alternativa viável ao poder e à regência da sociedade, mas suas lutas chegaram a ameaçá-las. 
Um terceiro exemplo é Canudos, que também mostra essas três ordens de tensão. A classista prevalece porque os sertanejos, sublevados pelo Conselheiro, combatiam, de fato, a ordem fazendeira, que, condenando o povo a viver num mundo todo dividido em fazendas, os compelia a servir a um fazendeiro ou a outro, sem jamais ter o pé-de-chão. Em consequência, não tinham qualquer possibilidade de orientar seu próprio trabalho para o atendimento de suas necessidades. Mas lá estavam pulsando os conflitos raciais e outros, inclusive o religioso. 
O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de seus contingentes índios, negros e brancos, foi, por conseguinte, altamente conflitivo. Pode-se afirmar, mesmo, que vivemos praticamente em estado de guerra latente, que, por vezes, e com frequência, se torna cruento, sangrento. 
Conflitos interétnicos existiram desde sempre, opondo as tribos indígenas umas às outras. Mas isto se dava sem maiores consequências, porque nenhuma delas tinha possibilidade de impor sua hegemonia às demais. A situação muda completamente quando entra nesse conflito um novo tipo de contendor, de caráter irreconciliável, que é o dominador europeu e os novos grupos humanos que ele vai aglutinando, avassalando e configurando como uma macroetnia expansionista. 
[...]
O conflito interétnico se processa no curso de um movimento secular de sucessão ecológica entre a população original do território e o invasor que a fustiga a fim de implantar um novo tipo de economia e de sociedade. Trata-se, por conseguinte, de uma guerra de extermínio. Nela nenhuma paz é possível, senão com um armistício provisório, porque os índios não podem ceder no que se espera deles, que seria deixar de ser eles mesmos para ingressar individualmente na nova sociedade, onde viveriam outra forma de existência que não é a sua. Os seus alternos, que são brasileiros, não abrem mão, também, do sentimento de que, neste território, não cabe outra identificação étnica que a sua própria, que tendo sido assumida por tantos europeus, negros e asiáticos, deveria ser aceita também pelos índios. 
[...]
As forças que se defrontam nessas lutas não podiam ser mais cruamente desiguais. De uma lado, sociedades tribais, estruturadas com base no parentesco e outras formas de sociabilidade, armadas de uma profunda identificação étnica, irmanadas por um modo de vida essencialmente solidário. Do lado oposto, uma estrutura estatal, fundada na conquista e dominação de um território, cujos habitantes, qualquer que seja a sua origem, compõem uma sociedade articulada em classes, vale dizer, antagonicamente opostas mas imperativamente unificadas para o cumprimento de metas econômicas socialmente irresponsáveis.

Darcy também irá afirmar que há guerras entre os próprios invasores:

Colonos contra os jesuítas. 
Muito cedo surgiram desentendimentos entre o projeto comunitário dos inacianos (Inácio de Loyola) para a indiada nativa e o processo colonial lusitano que lhes reservava o destino de mão-de-obra de suas empresas. Surgiram assim que os padres fugiram de sua função prevista de amansadores de índios para se arvorarem a seus protetores. 
Ao longo de dois séculos e meio, os conflitos se sucederam no plano administrativo, chegando até à deportação dos jesuítas. 
[...]
Também graves foram os enfrentamentos entre catecúmenos e colonos, dos quais os padres procuravam se esquivar, dado o seu compromisso de realizar uma conquista espiritual, sem jamais apelar para a força. 
Desde os primeiros dias de colonização o projeto jesuítico se configurou como uma alternativa étnica que teria dado lugar a um outro tipo de sociedade, diferente daquela que surgia na área de colonização espanhola e portuguesa. 
Estrutura-se com base na tradição solidária dos grupos indígenas e consolida-se com os experimentos missionários de organização comunitária, de caráter proto-socialista. 
Darcy nos conta que a língua utilizada pelos missionários jesuítas nas suas reduções para reordenar os índios e civilizá-los não era o português nem o espanhol, mas o nheengatu
Tudo isso contrastava com o modelo que o colono ia implantando. 
A motivação de maior importância ( que gerava esse contraste e oposição), porém, foi a cobiça despertada nos colonos com o enriquecimento extraordinário de algumas Missões. Explorando as terras indígenas e sua força de trabalho, os jesuítas começaram a funcionar como províncias prósperas que se proviam de quase tudo, graças ao grande número de artesãos com que contavam, e ainda produziam excedentes, explorando drogas da mata que, juntamente com o produto de suas lavouras e com outras produções mercantis, faziam deles uma das forças econômicas principais do incipiente mercado colonial. 
Igualmente importantes como fontes de enriquecimento foram as ricas doações que receberam de colonos, que tudo davam, pedindo a salvação de suas almas. 
Segundo Darcy: O vulto do patrimônio jesuítico, ao tempo do seu confisco (1760), era enormíssimo. Estendia-se de norte a sul do país, na forma de missões e concessões territoriais concedidas pela Coroa, onde instalavam suas cinquenta missões de catequese, cuja base material eram engenhos de açúcar (dezessete), dezenas de criatórios de gado, com rebanho avaliado em 150 mil reses, além de engenhos, serrarias e muitos outros bens. 
A companhia seria também a maior proprietária urbana, pelo número de casas nas cidades que abrigavam os colégios, os seminários, os hospitais, os noviciados, os retiros, regidos por 649 padres e irmãos leigos.
A cobiça que provocou tamanha riqueza era, pelo menos, proporcional a ela, fazendo crescer a cada dia os que exigiam sua desapropriação, com esperança de apropriar-se, eles próprios (burocratas e colonos), de tantos bens. 
[...]
A guerra dos cabanos, que assumiu tantas vezes o caráter de um genocídio, com o objetivo de trucidar as populações caboclas, é o exemplo mais claro de enfrentamento interétnico. Ali se digladiam a população antiga da Amazônia, caracterizável como neobrasileira porque já não era indígena mas aspirava viver autonomamente para si mesma, e a estreita camada dominante, fundamentalmente luso-brasileira, formando um projeto de existência que correspondia à ocupação das outras áreas do país. 
[...]
Palmares é o caso exemplar do enfrentamento inter-racial. Ali, negros fugidos dos engenhos de açúcar ou das vilas organizam-se para si mesmos, na forma de uma economia solidária e de uma sociedade igualitária. Não retornam às formas africanas de vida, inteiramente inviáveis. Voltam-se a formas novas, arcaicamente igualitárias e precocemente socialistas. 
[...]
Uma terceira modalidade de conflitos que envolvem as populações brasileiras é de caráter fundamentalmente classista. Aqui se enfrentam, de um lado, os privilégiados proprietários de terras, de bens de produção, que são predominantemente brancos, e de outro lado, as grandes massas de trabalhadores, estas majoritariamente mestiças ou negras. 
Ainda que nas outras duas formas de conflito sempre se encontrem componentes classistas, mesmo porque em todas elas está presente a preocupação com o recrutamento de mão-de-obra para a produção mercantil, em certas circunstâncias elas ganham especificidade como enfrentamentos interclassistas. Isso ocorre quando não são contingentes diferenciados racialmente ou etnicamente que se opõem, mas conglomerados humanos ou estratos sociais multirraciais e multiétnicos propensos a criar novas formas de ordenação socioeconômica, inconciliáveis com o projeto das classes dominantes.
Canudos é um bom exemplo dessa classe de enfrentamento, como a grande explosão dessa modalidade de lutas. Ali, sertanejos atados a um universo arcaico de compreensões, mas cruamente subversivos porque pretendiam enfrentar a ordem social vigente, segundo valores diferentes e até opostos aos dos seus antagonistas, enfrentavam uma sociedade fundada na propriedade territorial e no poderio do dono, sobre quem vivesse em suas terras. 

O que esses conflitos têm em comum, segundo Darcy Ribeiro, é "a insistência dos oprimidos em abrir e reabrir as lutas para fugir do destino que lhes é prescrito". De outro lado, " a unanimidade da classe dominante que compõe e controla um parlamento servil, cuja função é manter a institucionalidade em que se baseia o latifúndio".

Concluindo:

Tudo isso garantido pela pronta ação repressora de um corpo nacional das forças armadas que se prestava, ontem, ao papel de perseguidor de escravos, como capitães do mato, e se presta, hoje, à função de pau-mandado de uma minoria infecunda contra todos os brasileiros.

Bom! Galera, retomarei mais partes do livro nas próximas postagens. Mas poderei postar outros livros intercalados. Aguardem!

sábado, 26 de janeiro de 2013



 Brasil - Mito Fundador e Sociedade Autoritária.
Marilena Chauí.

O livro contém 6 capítulos, fora as notas e as referências.

1.Com fé o Orgulho
2.A nação como semióforo
3.O verdeamarelismo
4.Do IV ao V Centenário
5.O mito fundador
6.Comemorar?

Tratarei do último capítulo "Comemorar?", no qual Marilena aponta as principais características que configuram e caracterizam a sociedade brasileira. O livro foi lançado no momento em que o país foi incitado a festejar os seus 500 anos. 
O último capítulo indaga: há realmente o que comemorar? Transcreverei algumas das principais questões colocadas por Marilena Chauí.
Como já fiz aqui com outros livros, colocarei as ideias do último capítulo apenas (já referenciado acima). Vez ou outra, retornarei para analisar outros pontos, outros capítulos do livro de Marilena. Procedimento já ocorrido aqui no blog com alguns livros postados. 

Comemorar?

"...a sociedade brasileira é marcada pela estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obediência". 

Conservamos, diz Marilena, as marcas da sociedade colonial (designados por cultura senhorial, segundo alguns estudiosos).

No Brasil "...A divisão social das classes é naturalizada por um conjunto de práticas que ocultam a determinação histórica ou material da exploração, da discriminação e da dominação, e que, imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo da nação una e indivisa, sobreposta como um manto protetor que recobre as divisões reais que a constituem".

A sociedade brasileira é uma sociedade autoritária, afirma Chauí.

Quais os traços dessa sociedade autoritária? São:

"As divisão sociais são naturalizadas em desigualdades postas como inferioridade natural ( no caso das mulheres, dos trabalhadores, negros, índios, imigrantes, migrantes e idosos), e as diferenças, também  naturalizadas, tendem a aparecer ora como desvios da norma ( no caso das diferenças étnicas e de gênero), ora como perversão ou monstruosidade (no caso dos homessexuais, por exemplo). Essa naturalização, que esvazia a gênese histórica da desigualdade e da diferença, permite a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência, pois estas não são percebidas como tais".

"Estruturada ( a sociedade) a partir das relações privadas, fundadas no mando e na obediência, disso decorre a recusa tácita ( e às vezes explícita) de operar com os direitos civis e a dificuldade para lutar por direitos substantivos e, portanto, contra formas de opressão social e econômica: para os grandes, a lei é privilégio; para as camadas populares, repressão. Por esse motivo, as leis são necessariamente abstratas e aparecem como inócuas, inúteis ou incompreensíveis, feitas para serem transgredidas e não para ser cumpridas nem, muito menos, transformadas".

"A indistinção entre o público e o privado" (...) "é a forma mesma de realização da política e de organização do aparelho do Estado em que os governantes e parlamentares 'reinam' ou, para usar a expressão de Faoro, são 'donos do poder', mantendo com os cidadãos relações pessoais de favor, clientela e tutela, e praticam a corrupção sobre os fundos públicos". Essa indistinção entre o público e o privado é histórica. (Para saber um pouco mais sobre tal aspecto ver as obras Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e O Jeitinho Brasileiro - A arte de ser mais igual que os outros, de Lívia Barbosa, ambos os livros já postados aqui no blog).

O Brasil desenvolve uma imagem de si que procura "bloquear o trabalho dos conflitos e das contradições sociais, econômicas e políticas, uma vez que conflitos e contradições negam a imagem da boa sociedade indivisa, pacífica e ordeira. Isso não significa que conflitos e contradições sejam ignorados, e sim que recebem uma significação precisa: são sinônimos de perigo, crise, desordem e a eles se oferecem como resposta única a repressão policial e militar, para as camadas populares, e o desprezo condescendente, para os opositores em geral".

"Por estar determinada, em sua gênese histórica, pela 'cultura senhorial' e estamental que preza a fidalguia e o privilégio e que usa o consumo de luxo como instrumento de demarcação da distância social entre as classes, nossa sociedade tem o fascínio pelos signos de prestígio e poder, como se depreende do uso de títulos honoríficos sem qualquer relação com a possível pertinência de sua atribuição ( o caso mais corrente sendo o uso de 'doutor' quando, na relação social, o outro se sente ou é visto como superior e 'doutor' é o substituto imaginário para antigos títulos de nobreza), ou da manutenção de criadagem doméstica, cujo número indica aumento ( ou diminuição) de prestígio e de status, ou, ainda, como se nota na grande valorização dos diplomas que credenciam atividades não-manuais e no conseqüente desprezo pelo trabalho manual, como se vê no enorme descaso pelo salário mínimo, nas trapaças no cumprimento dos insignificantes direitos trabalhistas existentes e na culpabilização dos desempregados pelo desemprego, repetindo indefinidamente o padrão de comportamento e de ação que operava, desde a Colônia, para a desclassificação dos homens livres pobres".

"A existência de crianças sem infância é vista como tendência natural dos pobres à vadiagem, à mendicância e à criminalidade. Os acidentes de trabalho são imputados à incompetência e à ignorância dos trabalhadores". 

Vivemos num apartheid social. Com uma enorme concentração de renda, o Brasil é um dos países que mais concentram renda no mundo. Ao mesmo tempo em que se glorifica a imagem de uma país ordeiro e pacífico, anualmente, dispende-se fortunas em segurança privada ( um mercado que tem crescido muito ultimamente no Brasil).

"...A sociedade brasileira está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes". 

Temos ainda, para completar o quadro "... as dádivas neoliberais: desemprego estrutural, privatização do público, recursos públicos para financiar os investimentos do capital, a transformação de direitos sociais (como educação, saúde e habitação) em serviços privados adquiridos no mercado e submetidos à sua lógica"

Em suma, a sociedade brasileira é autoritária, hierárquica, desigual, injusta e violenta

Na euforia das comemorações que se deram no ano de 2000, Marilena Chauí conclui:

"Como se vê, não há o que se comemorar".

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Tema: Educação.
Livro: Sociedade do Conhecimento ou das Ilusões? Newton Duarte.

O livro reune quatro artigos de Newton Duarte (Professor da UNESP - Araraquara).

Focarei alguns pontos do primeiro artigo que trata justamente da questão da sociedade do conhecimento. É bom ressaltar que há muito debate em torno do que seja essa tal sociedade do conhecimento, e embora não se tenha uma definição muito clara sobre tal tema, nem mesmo um consenso entre os autores que estudam o assunto, há, porém, uma clara suposição de que essa sociedade seja baseada na incessante busca de informações, a nova base do conhecimento, que, por sua vez, está baseado na rapidez das novas tecnologias. 

Como Newton Duarte define a sociedade do conhecimento? Vejamos: 
"...é uma ideologia produzida pelo capitalismo, é um fenômeno no campo da reprodução ideológica do capitalismo", p. 13. 
Mas por que Newton Duarte afirma isso? 
Duarte irá defender cinco pontos (que ele chama de ilusões) dismistificando a tal sociedade do conhecimento. Para isso ( e não é o caso aqui, até por que ele não trata disso no livro) seria necessário entender a reestruturação produtiva capitalista ocorrida no século XX, em meados da década de 70. Novos processos de organização e racionalização do trabalho irão fomentar a saga da acumulação capitalista. Com a introdução de novas tecnologias, articulando padrões de processamento de informações, dados e gerenciamento vantajosos para a competitividade, eficiência e criatividade, o capitalismo entra em uma nova fase de acumulação. O que, segundo Duarte..."não significa que a essência da sociedade capitalista tenha se alterado ou que estejamos vivendo uma sociedade radicalmente nova, que pudesse ser chamada de sociedade do conhecimento", p. 13.
Vejamos quais são essas ilusões. Duarte aponta cinco ilusões:

Primeira ilusão: o conhecimento nunca esteve tão acessível como hoje, isto é, vivemos numa sociedade na qual o acesso ao conhecimento foi amplamente democratizado pelos meios de comunicação, pela informática, pela internet etc. (Monopólios midiáticos, controle de patentes, de tecnologias).

Segunda ilusão: a capacidade  para lidar de forma criativa  com situações singulares no cotidiano, ou, como diria Perrenoud, a habilidade de mobilizar conhecimentos, é muito mais importante que a aquisição de conhecimentos teóricos, especialmente nos dias de hoje, quando já estariam superadas as teorias pautadas em metanarrativas, isto é, estariam superadas as tentativas de elaboração de grandes sínteses teóricas sobre a história, a sociedade e o ser humano. 

Terceira ilusão: o conhecimento não é a apropriação da realidade pelo pensamento, mas sim uma construção subjetiva resultante de processos semióticos intersubjetivos, nos quais ocorre uma negociação de significados. O que confere validade ao conhecimento são os contratos culturais, isto é, o conhecimento é uma convenção cultural.

Quarta ilusão: os conhecimentos têm todos o mesmo valor, não havendo entre eles hierarquia quanto à sua qualidade ou quanto ao seu poder explicativo da realidade natural e social.

Quinta ilusão: o apelo à consciência dos indivíduos, seja por meio das palavras, seja por meio dos bons exemplos dados por outros indivíduos ou por comunidades, construir o caminho para a superação dos grandes problemas da humanidade. Essa ilusão contém uma outra, qual seja, a de que esses grandes problemas existem como consequência de determinadas mentalidades. as concepções idealistas da educação apóiam-se todas em tal ilusão. Essa é a razão da difusão, pela mídia, de certas experiências educativas tidas como aquelas que estariam criando um futuro melhor pela preparação das novas gerações. Assim, acabar com as guerras seru algo possível por meio de experiências educativas que cultivem a tolerância entre as crianças e jovens. A guerra é vista como conseqüência de processos primariamente subjetivos ou, no máximo intersubjetivos. Nessa direção, a guerra entre os Estados Unidos da América e Afeganistão, por exemplo, é vista como conseqüência da intolerância, do fanatismo religioso. Deixa-se de lado toda uma complexa realidade política e econômica gerada pelo imperialismo norte-americano e multiplicam-se os apelos românticos ao cultivo do respeito às diferenças culturais. 

Newton Duarte é um crítico das chamadas pedagogia das competências, das quais fazem parte as chamadas pedagogias do aprender a aprender. Todas voltadas para uma aprimoramento da mão-de-obra, para a empregabilidade, para a adaptação à nova fase de acumulação capitalista. Newton Duarte tem estudos sobre tudo isso. A quem se interessar, recomendaria a leitura de seus livros.

quinta-feira, 24 de maio de 2012







Abstrações. Luís Fernando Veríssmo.

"Deus não joga dados com o Universo", disse Einstein, para nos assegurar que existe um plano por trás de, literalmente, tudo,  que o comportamento da matéria é lógico e previsível. A física quântica depois revelou que a matéria é mais maluca do que Einstein pensava e que o acaso rege o Universo mais do que gostaríamos de imaginar. Mas fiquemos com a palavra do velho. Deus não é um jogador, o Universo não está aí para Ele jogar contra a sorte e contre Ele mesmo. Já os semideuses que controlam o capital especulativo do planeta Terra jogam com economias inteiras e podem destruir países com um lance os seus dados, ou uma ordem dos seus computadores, em segundos. 
Às vezes eles têm uma cara, e até opiniões, como o Soros, mas quase sempre são operadores anônimos, todos com 28 anos, e um poder sobre as nossas vidas que o Deus de Einstein invejaria. Deus, afinal, é sempre o ponto supremo de uma cosmogonia organizada, não importa qual seja a sua religião. Todas as igrejas - a não ser a do Triângulo Místico, fundada anteontem, provavelmente em Brasília - têm metafísicas antigas e hierarquizadas. Todos os deuses podem tudo, mas dentro das expectativas e das tradições da suas respectivas fés. Até a oniptência tem limites.
A metafísica dos operadores, dos deuses de 28 anos, é inédita. Não tem passado nem convenções. É a destilação final de uma abstração, a do capital dessociado de qualquer coisa palpável, até do próprio dinheiro.  Como o dinheiro já era a representação da representação da representação de uma valor aleatório, o capital transformado em impulso eletrônico é uma abstração nos limites do nada - e é ela que rege as nossas economias e, portanto, as nossas vidas. E quem pensava ter liberado o mundo de um ideal inútil, o de sociedades regidas por abstrações como igualdade e solidariedade, se vê prisioneiro do invisível, de um sopro que ninguém controla, da maior abstração de todas.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Mundo é Bárbaro - Luis Fernando Veríssimo.

Os Sem-Verdade.

Os donos da verdade são um pouco como os donos da terra no Brasil. Alguns têm latifúndios de verdade que não querem ver divididos. Muitos vivem há anos de verdades improdutivas e, como no caso da terra, há verdades cujo título de posse não resistiria a um teste de legitimidade - ou são verdades roubadas, ou são verdades mal medidas, ou são simplesmente mentiras.

Há verdade herdada que o dono nem conhece, verdade ociosa servindo só de patrimônio ou garantia e verdade que você vai ver é um pântano. Quem desafia a posse de toda a verdade nacional por uns poucos é chamado de agitador. O máximo de participação permitida a quem tem sua verdade negada é ser posseiro na verdade alheia. Ter a ilusão de ser dono de um pouco de verdade, às vezes só um quadrado, uma horta de verdade, mas depender da definição da verdade dos outros.
Resta aos sem-verdade fazer o que fazem os sem terra: se organizarem e pedirem uma reforma semântica para valer, uma reavaliação do significado de palavras e conceitos e uma distribuição mais justa da verdade entre os brasileiros. A concentração da verdade numa minoria e a resistência à verdade compartilhada ou á reforma da verdade acabará sendo ruinosa para todos, inclusive os seus atuais proprietários. Da mesma forma que, dividindo a terra ociosa, mais do que justiça, se estaria fazendo sentido, para uma agricultura mais competitiva, a divisão da verdade - a verdade para quem quer trabalhar com ela! - salvaria os atuais donos de todas as distorções dom pensamento único, e do risco de um dia precisarem de uma crítica sincera e não encontrarem fornecedor.

Reforma da verdade já!


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O Professor e o Combate à Alienação Imposta.
Ezequiel Theodoro da Silva. Cortez Editora. 

São apenas alguns pontos do livro. Procurei ressaltar algumas idéias mais norteadoras do livro. São elas:

É preciso "combater a ideologia tecnocrática disseminada e imposta". Combater o "esvaziamento do sentido da educação e de suas teorias quantitativas..."
Ezequiel aponta: "administradores, supervisores(...) esses elementos, por razões diversas, passaram a exercer funções estritamente controladoras e policialescas dentro das escolas, envolvendo-se muito mais com o rolo maquiavélico da burocracia do que com as reais necessidades dos professores, alunos e comunidade".

Alerta: " Um 'cheiro' bem dado na realidade brasileira vai fazer sentir, pelo fedor que exala, que a alienação continua sendo imposta aos professores brasileiros". 
De que forma a alienação é imposta aos professores? Ezequiel: salário aviltante, condições precárias para a produção do ensino, péssimas condições de aprimoramento profissional, sem contar o fato dos professores terem que dar aulas em mais de uma escola, não sobrando tempo para quase nada, a não ser para o cansaço. A única coisa que sobra aos professores que protestam, é a lei do cassetete.

Ezequiel critica a sistematização do senso comum, muitas vezes compartilhada entre os próprios professores. Exemplo: "Quem não estiver contente, que mude de emprego! Substituiremos todos os insatisfeitos!" 
Temos sim um processo de coisificação do professor. O professor não como sujeito reflexivo e crítico, atuante na transformação, junto com os alunos, na e para a sociedade. Pelo contrário,  temos o professor com a consciência triturada. Temos no cenário educacional atual uma avalanche de teorias educacionais imperialistas ( " o que é bom para eles é bom para nós"), temos todo um sistema educacional elaborado em gabinetes. 
A própria ideia de ensino profissionalizante pode ser vista ( livre interpretação) como quebra da crítica social. Com essa idéia, o que temos é a instrumentalização do conhecimento. 
Ezequiel enfatiza que todo ato pedagógico é um ato político. Fazer frente contra o poder dominante e contra os regimes de privilégios, eis o que se faz necessário.

Recuperação da Dignidade.

"Na ótica das autoridades dominantes, o professor é visto como um trabalhador improdutivo, isto é, alguém que não gera divisas econômicas imediatas para o país. Daí as migalhas de verbas dedicadas ao desenvolvimento do setor educacional; daí algumas ideias distorcidas, já presentes no senso comum da população: 'Se ficar no magistério ´porque é ruim ou louco!' , ' O status do professor já era!' , ' Ensinar é dom e sacrifício!' etc. Em essência isto quer dizer que somente os medíocres optam pela carreira do magistério." Os professores encontram-se inseridos no cotidiano alienado, reproduzindo valores egoístas e mesquinhos.

De um capítulo chamado "De como ser um bom professor", Ezequiel dá alguns pontos de vista, entre outros, de como deve ser a postura do professor. Exemplos que ele dá:

  • Vincule, sempre, os conteúdos ensinados à história. Procure mostrar que esses conteúdos (científicos, literários etc.) foram produzidos por homens e não por divindades extraterrenas!
  • Faça um exercício de crítica e coerência quando da seleção e sistematização do conteúdo a ser apresentado aos alunos. Quase nunca o guia curricular ou livro didático oferece o que há de melhor em termos de conteúdo e metodologia - há muita ideologia e um excesso de mercadologia por trás disso tudo. Nada melhor do que a sua consciência crítica para desmascarar tais mecanismos de alienação.

O Pelego do setor educacional.

"Em essência, o pelego é um aparelho ideológico do Estado, enraizado em diferentes organismos da sociedade. Subir rapidamente na vida ou conseguir impor-se pela prática da espionagem, obedecer cegamente os mandos e desmandos do poder, esquecer conscientemente a sua origem social e os preceitos da solidariedade etc. - há, sem dúvda, muita relação entre Judas e esse bedel-delinquente da sociedade brasileira."
"O pelego é um ser (?) que não assimilou bem os valores, interesses e reivindicações desenvolvidas na sua classe de origem e, seguindo a linha do oportunismo, opta por privilégios pessoais em detrimento do 'coletivo'. "
Segundo Ezequiel, infelizmente, os pelegos invadiram a seara educacional. Como diz, esses tristes personagens proliferaram e ali ficaram.


No decorrer do livro, analisando a situação dos professores inseridos na realidade alienada em que estão, constata algumas questões que implicam o próprio dia-a-dia da escola. Questiona-se:
  • Escola: local de estudo ou de acesso à merenda? (crianças passando fome em casa?)
  • Escola: local de aquisição de conhecimentos ou de orientação psicoterapêutica? (Assumir papel de pai, de mãe,de  psicólogo, de orientador, de terapêuta, de shopping, de lazer etc?)
  • Escola: local de questionamento crítico dos valores sociais ou de atendimento médico-odontológico?
  • Escola: local de formação/informação ou de comércio de bijuterias? (minguado e insuficiente salário dos professores?)
  • Escola: local de instrumentação para o trabalho ou uma panacéia para todos os males sociais?
"Com o acirramento das contradições da capitalismo nestas duas últimas décadas(1980-1990) e, em consequência, com as reverberações da crise econômica junto à população, a escola brasileira passou a desempenhar funções que, aos olhos de um analista mais crítico, fazem diluir a possibilidade de realização de suas finalidades primeiras."

Metodologia de ensino.

No fim, Ezequiel afirma que a educação brasileira, mais especificamente a metodologia de ensino, está amarrada a três pontos: 1º - As lutas travadas pelo povo em direção à conquista da democracia; 2º - As reflexões feitas sobre a crise ou ameaça de falência do nosso sistema educacional; e 3º - Os questionamentos feitos sobre a necessidade de conscientização e educação dos educadores".

"A classe dominante vinha agindo no sentido de tornar a escola uma entidade à parte ou à margem do processo histórico - sua função era a de mero apêndice ideológico do Estado, era a de, docilmente, à semelhança de uma empresa ou indústria, formar a mão de obra alienada, necessária ao cumprimento dos princípios desenvolvimentistas, que prefaziam o acordo MEC-USAID, selado em 1966."

Ezequiel procura fazer uma crítica das metodologias implantadas na educação nos últimos trinta anos. Pedagogias, por exemplo, do tipo "com muito amor e carinho", "compaixão", "amar os alunos" etc etc, esteriotipias essas a respeito do trabalho dos professores começaram a ser questionadas. Uma crítica que surge para repensar o tecnicismo, o psicologismo, o tecnoburocratismo etc, que fazem parte do mundo pedagógico.

Ezequiel faz uma análise contundente das pedagogias que mais estão coerentes com as ideologias e valores dominantes do mundo regido pelo capital, do que a superação do mesmo. Da atuação do professor e do que se espera de uma escola. De uma escola que, de fato, seja o local de uma aprendizagem crítica.

Bem, caros leitores, o que aqui se encontra postado são apenas recortes do livro. Assim como outras postagens aqui publicadas. Recomendo sempre a leitura do livro. Mas mesmo assim fica aí algumas idéias do livro, pois essa é a intenção do blog, postadas para daqui em diante sempre termos alguma referência sobre do que se trata o livro. A intenção é divulgá-los, de uma forma ou de outra.