sábado, 26 de janeiro de 2013



 Brasil - Mito Fundador e Sociedade Autoritária.
Marilena Chauí.

O livro contém 6 capítulos, fora as notas e as referências.

1.Com fé o Orgulho
2.A nação como semióforo
3.O verdeamarelismo
4.Do IV ao V Centenário
5.O mito fundador
6.Comemorar?

Tratarei do último capítulo "Comemorar?", no qual Marilena aponta as principais características que configuram e caracterizam a sociedade brasileira. O livro foi lançado no momento em que o país foi incitado a festejar os seus 500 anos. 
O último capítulo indaga: há realmente o que comemorar? Transcreverei algumas das principais questões colocadas por Marilena Chauí.
Como já fiz aqui com outros livros, colocarei as ideias do último capítulo apenas (já referenciado acima). Vez ou outra, retornarei para analisar outros pontos, outros capítulos do livro de Marilena. Procedimento já ocorrido aqui no blog com alguns livros postados. 

Comemorar?

"...a sociedade brasileira é marcada pela estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obediência". 

Conservamos, diz Marilena, as marcas da sociedade colonial (designados por cultura senhorial, segundo alguns estudiosos).

No Brasil "...A divisão social das classes é naturalizada por um conjunto de práticas que ocultam a determinação histórica ou material da exploração, da discriminação e da dominação, e que, imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo da nação una e indivisa, sobreposta como um manto protetor que recobre as divisões reais que a constituem".

A sociedade brasileira é uma sociedade autoritária, afirma Chauí.

Quais os traços dessa sociedade autoritária? São:

"As divisão sociais são naturalizadas em desigualdades postas como inferioridade natural ( no caso das mulheres, dos trabalhadores, negros, índios, imigrantes, migrantes e idosos), e as diferenças, também  naturalizadas, tendem a aparecer ora como desvios da norma ( no caso das diferenças étnicas e de gênero), ora como perversão ou monstruosidade (no caso dos homessexuais, por exemplo). Essa naturalização, que esvazia a gênese histórica da desigualdade e da diferença, permite a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência, pois estas não são percebidas como tais".

"Estruturada ( a sociedade) a partir das relações privadas, fundadas no mando e na obediência, disso decorre a recusa tácita ( e às vezes explícita) de operar com os direitos civis e a dificuldade para lutar por direitos substantivos e, portanto, contra formas de opressão social e econômica: para os grandes, a lei é privilégio; para as camadas populares, repressão. Por esse motivo, as leis são necessariamente abstratas e aparecem como inócuas, inúteis ou incompreensíveis, feitas para serem transgredidas e não para ser cumpridas nem, muito menos, transformadas".

"A indistinção entre o público e o privado" (...) "é a forma mesma de realização da política e de organização do aparelho do Estado em que os governantes e parlamentares 'reinam' ou, para usar a expressão de Faoro, são 'donos do poder', mantendo com os cidadãos relações pessoais de favor, clientela e tutela, e praticam a corrupção sobre os fundos públicos". Essa indistinção entre o público e o privado é histórica. (Para saber um pouco mais sobre tal aspecto ver as obras Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e O Jeitinho Brasileiro - A arte de ser mais igual que os outros, de Lívia Barbosa, ambos os livros já postados aqui no blog).

O Brasil desenvolve uma imagem de si que procura "bloquear o trabalho dos conflitos e das contradições sociais, econômicas e políticas, uma vez que conflitos e contradições negam a imagem da boa sociedade indivisa, pacífica e ordeira. Isso não significa que conflitos e contradições sejam ignorados, e sim que recebem uma significação precisa: são sinônimos de perigo, crise, desordem e a eles se oferecem como resposta única a repressão policial e militar, para as camadas populares, e o desprezo condescendente, para os opositores em geral".

"Por estar determinada, em sua gênese histórica, pela 'cultura senhorial' e estamental que preza a fidalguia e o privilégio e que usa o consumo de luxo como instrumento de demarcação da distância social entre as classes, nossa sociedade tem o fascínio pelos signos de prestígio e poder, como se depreende do uso de títulos honoríficos sem qualquer relação com a possível pertinência de sua atribuição ( o caso mais corrente sendo o uso de 'doutor' quando, na relação social, o outro se sente ou é visto como superior e 'doutor' é o substituto imaginário para antigos títulos de nobreza), ou da manutenção de criadagem doméstica, cujo número indica aumento ( ou diminuição) de prestígio e de status, ou, ainda, como se nota na grande valorização dos diplomas que credenciam atividades não-manuais e no conseqüente desprezo pelo trabalho manual, como se vê no enorme descaso pelo salário mínimo, nas trapaças no cumprimento dos insignificantes direitos trabalhistas existentes e na culpabilização dos desempregados pelo desemprego, repetindo indefinidamente o padrão de comportamento e de ação que operava, desde a Colônia, para a desclassificação dos homens livres pobres".

"A existência de crianças sem infância é vista como tendência natural dos pobres à vadiagem, à mendicância e à criminalidade. Os acidentes de trabalho são imputados à incompetência e à ignorância dos trabalhadores". 

Vivemos num apartheid social. Com uma enorme concentração de renda, o Brasil é um dos países que mais concentram renda no mundo. Ao mesmo tempo em que se glorifica a imagem de uma país ordeiro e pacífico, anualmente, dispende-se fortunas em segurança privada ( um mercado que tem crescido muito ultimamente no Brasil).

"...A sociedade brasileira está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes". 

Temos ainda, para completar o quadro "... as dádivas neoliberais: desemprego estrutural, privatização do público, recursos públicos para financiar os investimentos do capital, a transformação de direitos sociais (como educação, saúde e habitação) em serviços privados adquiridos no mercado e submetidos à sua lógica"

Em suma, a sociedade brasileira é autoritária, hierárquica, desigual, injusta e violenta

Na euforia das comemorações que se deram no ano de 2000, Marilena Chauí conclui:

"Como se vê, não há o que se comemorar".

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